‘Não influencio a orientação de ninguém’: professores comentam frase do ministro da Educação sobre transexuais que lecionam
Milton Ribeiro afirmou que ‘não concorda’ com quem ‘opta por ser homossexual’ e que tem ‘certas reservas’ com professores transgênero.
Professores transexuais comentaram as declarações do ministro da Educação dadas em entrevista publicada na quinta. Milton Ribeiro disse, ao jornal “O Estado de S. Paulo”, que a população trans atuante na rede de ensino não pode incentivar os alunos “a andarem por esse caminho. Tenho certas reservas“.
Paula Beatriz de Souza Cruz, de 49 anos, é a primeira diretora trans de uma escola estadual de São Paulo. Tem 30 anos de trabalho na educação e está há 17 numa escola pública da rede estadual no Capão Redondo, zona sul de São Paulo.
“Nunca tive problema. Há outro entendimento. E deixo claro que eu, enquanto mulher e transexual, não influencio a orientação de ninguém. Isso não existe, justamente, porque não é uma escolha. Eu represento e deixo claro que há lugar no mercado de trabalho para todos, por exemplo”, afirma.
Paula Cruz diz que se sente respeitada e acolhida na comunidade da escola na qual trabalha. Manifesta preocupação com as declarações do ministro. “Com esse discurso ele propaga o ódio, a desinformação para as pessoas”, afirma a diretora da escola.
Milton Ribeiro afirmou que “o adolescente que muitas vezes opta por andar no caminho do homossexualismo [termo que trata a orientação sexual como doença]” vêm, algumas vezes, de “famílias desajustadas”.
“Falta atenção do pai, falta atenção da mãe. Vejo menino de 12, 13 anos optando por ser gay, nunca esteve com uma mulher de fato, com um homem de fato e caminhar por aí. São questões de valores e princípios”, disse o ministro.
Na visão da diretora Cruz, Milton Ribeiro “pessoalmente, ele pode ser contra. Mas, na posição de ministro, tem que saber que representa um ministério, um governo. Não se manifestar de modo que causa mais sofrimento e dor para a população LGBT.”
Para Maria Fernanda Ribeiro Pereira, professora de arte na rede estadual paulista, “a escola é o primeiro ambiente social que a criança aprende a conviver e respeitar as diferenças. É nela também que devemos garantir medidas protetivas quanto aos abusos sexuais que na maioria das vezes ocorre no seio familiar tradicional. Daí a importância da educação em sexualidade em todos os ciclos e fases de aprendizagem”.
Milton Ribeiro disse que as escolas “perdem tempo” falando de “ideologia” e ensinando sobre sexo, sobre “como colocar uma camisinha”. Segundo ele, a abordagem pode favorecer uma “erotização das crianças”.
Para o ministro, discussões sobre gênero não deveriam ocorrer na escola. “Quando o menino tiver 17, 18 anos, vai ter condição de optar. E não é normal. A biologia diz que não é normal a questão de gênero. A opção que você tem como adulto de ser homossexual, eu respeito, mas não concordo”, afirmou.
Na visão de Mariah Rafaela Silva, de 35 anos, que leciona no curso de história da arte na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), as declarações desviam o foco da gestão do ministério que comanda.
Ela pontuou que tais declarações são direcionadas para “um público muito raivoso, justamente para se eximir de responsabilidade efetiva na resolução de problemas” da educação brasileira.
Questionada sobre possíveis impactos negativos de tais declarações na sala de aula, Silva argumentou que não considera que isso seja um problema para lidar com os alunos, mas sim com grande parcela do corpo discente e técnico administrativo das instituições educacionais.
“A fonte de problema relacionados ao preconceito contra a diversidade sexual não vem dos estudantes, mas daqueles que operacionalizam a estrutura cognitiva e prática profissional da universidade”, afirmou a professora.
Em Pernambuco, Dayanna Louise, de 35 anos, é professora e mestre em educação. Atua na rede pública pernambucana há 12 anos. Disse que o processo de transição ocorreu quando já era professora: “Foi desafiador.”