Tragédia provocada por chuvas e deslizamento de barreiras é o maior desastre de Pernambuco do século 21, dizem especialistas
Na enchente histórica de 1975, no Recife, 107 pessoas morreram. Desde o dia a quarta-feira (25) até esta segunda-feira (30), houve 93 óbitos no estado e há mais de 20 desaparecidos.
A tragédia provocada pelas fortes chuvas e pelos deslizamentos de barreiras que deixaram, ao menos, 93 mortos no Grande Recife e mais de 6 mil desabrigados se tornou o maior desastre já registrado em Pernambuco no século 21, segundo especialistas.
“Pode até superar as mortes de 1975”, destaca o geógrafo e professor do departamento de Ciências Geográficas e do programa de Pós-Graduação da UFPE, Osvaldo Girão, se referindo à cheia histórica por que passou a capital pernambucana.
De fato, Recife esteve submerso em 1975. A histórica cheia motivou 107 mortes e teve todos os serviços paralisados, quando mais da metade da cidade ficou sem energia elétrica.
Agora, mesmo quatro décadas depois, a tragédia em meio às fortes chuvas deixa pelo menos 93 mortos – com mais de 20 pessoas ainda desaparecidas – e uma dor imensurável, sepultada debaixo da lama que cobre alguns municípios da capital pernambucana. Transformou-se no maior desastre registrado no Grande Recife neste século 21.
“Depois de 1975, essa é a maior tragédia daqui”, reforça o historiador Leonardo Dantas, que era repórter naquela época e viu a água subir também para dentro da própria casa.
As comparações são inevitáveis. Em 1975, o Recife estava com 80% do território habitado alagado. Foram cinco dias de prejuízos – com os hospitais funcionando à luz de velas e o transporte pelos bairros sendo improvisado em botes e barcos.
Era uma quinta-feira – dia 17 de julho – e a cheia passou devastando os principais bairros da cidade. O Rio Capibaribe transbordou e 25 municípios banhados por ele foram atingidos, segundo a Fundação Joaquim Nabuco.
“[Na] Minha casa mesmo, deu 1,80 metro [de água] naquela época. Eu perdi a casa, porque a água foi com a correnteza e derrubou. Eu continuo morando no mesmo lugar, junto da Praça da Torre. Dessa vez, não chegou nem água perto”, Dantas.
A principal diferença em relação a 1975, contudo, está na causa da morte das vítimas. É o que destaca o geógrafo e professor Osvaldo Girão.
“Em 1975, muita gente morreu por problemas cardíacos, por contaminação de água e principalmente por afogamento. Agora, temos metade ou mais só por movimento de massa. A morte está relacionada com os morros e encostas”, explica.
Nesta segunda-feira (30), bombeiros, Exército e moradores ainda tentam localizar vítimas que estão soterradas pelos deslizamentos de terra. Famílias inteiras morreram por conta da tragédia – com casos como o de Luiz Estevão de Aguiar, que perdeu 11 parentes em Jardim Monte Verde, na Região Metropolitana.
O número de vítimas, por sua vez, ainda pode superar o registrado na histórica cheia de 1975 – como destaca Osvaldo Girão – até porque ainda há pessoas desaparecidas nas áreas atingidas. O historiador Leonardo Dantas, por sua vez, observa ainda que os impactos poderiam ser piores.
“Essas chuvas teriam sido muito pior se em 1979 não tivessem começado o programa de proteção dos morros. Se não tivesse feito isso, a situação do Recife seria pior que a de Petrópolis (no Rio de Janeiro). O Capibaribe recebeu água, mas as barragens do Carpina e do Goitá seguraram. Estão transbordando, mas não romperam”, compara.
A questão é que o problema tornou-se recorrente. O geógrafo Osvaldo Girão explica que, em 1975, as áreas rebaixadas dos rios eram mais ocupadas, mas a população foi retirada e aos poucos passou a ocupar as regiões dos morros e encostas. Tornou-se reflexo da falta de planejamento urbano.
“O alagamento de inundação sempre foi muito presente nesses momentos de chuva, mas ficou mais enfático nos últimos 20 anos. Isso é reflexo da ausência de planejamento e política de habitação. Falta habitação. Essas áreas não são procuradas por agentes imobiliários e não há fiscalização da prefeitura”, explica.
Na visão do professor, há necessidade de conscientizar a população sobre as áreas em que vivem e também de montagem de um plano de gestão por parte do estado.
“Tudo isso é problema de gestão ambiental e territorial. Alguém tem que começar e alguém tem que dar continuidade”, afirma.
A tragédia das chuvas no Grande Recife tem 93 mortes confirmadas até a noite desta segunda-feira, mas os números ainda podem aumentar. O impacto, por sua vez, ainda deve perdurar, diz o professor e geógrafo Osvaldo Girão.
“De março a agosto, estamos sujeitos ao fenômeno ondas de leste. Temos mais três meses pela frente dessas ondas. Vai depender de aspectos climáticos que podem aumentar ou diminuir. Mas pode ser só o começo”.